Publicado em: Dezembro/2005
por Rene Pereira Melo Vasconcellos
Os tempos e os dias carregam as marcas da história, tome-se o exemplo de Júlio César, o imperador romano, que usou de seu poder e influência e mudou o calendário Gregoriano criando, o mês de julho, em sua própria homenagem, para se autoglorificar; depois, seguido por seu sobrinho e sucessor Otávio Augusto, que quis acrescentar a imitação uma nota personalizada quando incluiu no calendário Juliano o mês de agosto (que tem um dia a mais que julho). Manobras vaidosas de César, que significa senhor do mundo, para sobreviver ao tempo e a história. Contudo, não deixa de ser uma ironia eterna, que um homem simples, sem pretender nenhum tipo de poder temporal, que caminhou pela terra na época do Império romano, sem compactuar com os anseios de honra e glória do poder político e econômico, que foi assassinado como um malfeitor vulgar (em morte de cruz), por esses mesmos romanos, justo esse, que passou pela terra servindo mas, cujo impacto das atitudes pessoais traçou um marco de contradição que é um divisor na história, ou seja, antes e depois Dele. É pelo seu nome que se separa os feitos bons e maus de todos os homens – antes de Cristo e depois de Cristo! Antes de Cristo e depois de Cristo, esse é um mistério que um César, que cogita as coisas de César, jamais entenderá!
Perplexa ao constatar com que velocidade mais um ano chega ao fim, constato que, junto com as despedidas do ano que se acaba, surge concomitantemente a esperança do ano que se inicia; aguardo esse momento onde o tempo e a história ficam em suspenso porque o que era já foi e aquilo que foi passado é o que virá a ser e quando se tonar presente imediatamente já será passado… E nesse movimento dos tempos, ou melhor, na quietude infinita dos tempos vivo a eternidade num instante quando o que foi já não é, e o que é ainda não foi… No espanto do instante em que o tempo não existe e o que passou, que já não existe mais, se depara frente a frente com o que virá, logo ainda não chegou, portanto não é… Nesse ponto minh´alma expectante já começa a pressentir a poderosa presença do alfa e do ômega, do princípio e do fim, que é o Uno e que se revela na infinita presença que se renova num lapso de eternidade.
Na retrospectiva dos dias vejo o fim e o começo do ano e constato que o encontro do fim com o início resulta no chamamento de Deus, unindo as eras, apagando as fronteiras, ali onde eu não sou, para ser só reflexão e esperança… Sim, esperança, o fim do ano termina com uma esperança, no transcurso dos meses que, não por acaso, são 12, quando a vida foi vivida dia a dia, mês a mês, pena a pena, luta a luta, trazendo alegrias, mas também tristezas e incertezas, e depois que os 12 meses passam, a boa nova chega, renovando as forças para mais outra jornada: dezembro trás no seu fim um recomeço, uma esperança que se renova na presença da fé: o Natal, que faz a alegria das crianças naquelas onde não foi destruída a esperança e pisoteado o amor , os autênticos cidadãos do reino.
Assim, chegou o final de mais um ano, mas ainda não chegou o Fim da História, como afirma o teólogo da pós-modernidade Fukuyama. Enquanto houver um homem pós-moderno, – e há muitos -, pousando de deus e se estabelecendo no mundo, na força do seu poder, não está caracterizado o Fim da história. O Fim vem, mas somente quando aquele que dividiu a história em antes e depois Dele volte e diga: Basta! Enquanto isso não acontece, os dias e os meses se sucedem num retorno eterno, que se renova a cada final: em dezembro vivo o Natal e no meio da jornada, em junho, sinto no sopro dos ventos, na cara dos dias a forte personalidade de João, o Batista, preparando o caminho para Aquele que virá e não tardará!
Em junho os ventos sopram e agitam a natureza, que ainda geme e sofre e clama toda ela – até os dias de hoje, esperando Aquele que vem… Os grãos de areia se multiplicaram nas palavras daquele que clamou no deserto e os homens não lhe quiseram ouvir. Porque ouvir é concordar!!! E João foi até as grandes águas de Sinim e ali batizou nas águas e suas palavras ficaram impressas nas águas porque as raposas não lhe quiseram ouvir. Porque ouvir é concordar!!! E a natureza até hoje clama no deserto, nas águas e nos ventos, as palavras de João que os homens não podem sufocar, afogar ou cessar… E nas asas dos ventos voam as palavras de João, atravessando o espaço, o tempo e todas as dimensões das coisas visíveis.
Foi num dia de junho, na tristeza da caverna, que escutei as palavras de João, como num lamento num cicio suave que encheu a terra de dor, dor de parturiente que ainda não pariu o Dia Perfeito, quando toda lágrima será enxugada!
Os dias em junho
Agitados, os ventos frios do deserto sopram nos quatro cantos da cidade e nada está encoberto ao seu labor; seu caráter penetrante contorna ruas, percorre palácios, casas, mercados e favelas na preparação do caminho encontra o homem e penetra no mais interior dos seus ossos sondando sua dureza. Nesse clima, a iluminada cidade do sol habituada que é, aos calores de mais de 40º graus esfria e retrocede, desejosa, exclusivamente, de aconchegar-se na mornidão da primeira cobertura que aparecer, para esperar que, a seu bel prazer, as temperaturas subam…
Mas espera em vão; em junho o dia não atinge o ápice, isto é, sua expansão plena naquilo que se refere á duração da luminosidade na jornada; a bem da verdade, ao invés de crescer ele escolhe diminuir e precisamente nesse instante eternizado ele atinge a categoria do extraordinário. Retornando eternamente, o dia em junho se faz reversivo quando impõe limites a si mesmo; paciente quando se contém; zeloso porque quer diminuir para que outro, que não ele, cresça; humilde quando se faz nublado e propositadamente evita irromper na força do seu poder que é e que era, sempre, em alta potência. Combatendo com a sua força, negou-se a si mesmo quando renunciou alcançar a plenitude de ser, O Dia Perfeito, – apesar de toda luz que continha sua luz. E onde reside sua vitória? Ali, onde dominou seu poder e escondeu sua força, numa renúncia voluntária que se exerceu no tremendo poder de dizer não! Eternamente não!!! Combateu o assombroso combate, travado com aquele que era o mais forte, ou seja, ele mesmo; vencendo a si mesmo, saltou a muralha da legião das pluralidades e tornou-se um dia de luz singular. Desse modo, converteu-se no mais ilustre entre os vencedores: afinal, ninguém é mais forte que ele próprio.
E a paisagem no céu de junho transborda de nuvens num desenho que se repete nos seus dias mais curtos e nas suas noites mais longas… Utilizando uma linguagem estética Junho seria morte-luz, isto é, as primeiras cores que o artista põe na tela, dispostas em tons suaves, a fim de não provocar confusão ou competição com a figura, – aquela que se destaca na tela para assumir o foco, se fazendo prevalecer plena de significação no todo da obra. Contudo, pode-se dizer que no conjunto definitivo da obra há uma sintonia perfeita entre figura e fundo, e que em nenhum momento aquele perdeu sua importância, posto que, nele, ou através dele, a figura foi introduzida no ambiente; em verdade, a condição morte-luz é absolutamente circunstancial trata-se de uma preparação para receber os tons definitivos. Assim é junho nos seus dias mais curtos e nas suas noites mais longas frente a dezembro que guarda no seu transcurso dias mais longos e noites mais curtas é em junho que os dias preparam o caminho para em dezembro o dia nascer perfeito. Não é sem propósito que o dia em dezembro transborda luminosidade, permitindo que a luz permaneça por mais tempo diante dos olhos dos homens.
Nesse ponto é necessário evitar as ligeirezas e os tropeços dos ornatos pomposos próprios dos discursos desprovidos de significação; porque, até mesmo, entre luzes e luzes há distinção, sendo algumas delas, luzes do tipo, trevas!… Quanta diversidade entre as luzes naturais, porque uma coisa é a luz do sol, outra a da lua, e que dissemelhança infinita entre as estrelas e o que se dirá dos homens que andam na sua própria luz??? Claro, porque nem tudo que resplandece é sarça ardente! Coisa pavorosa é dar crédito a toda ou qualquer aparência de luz.
Esperemos, pois o Natal ser engendrado nos nossos olhos, que é a janela da alma, concebido nos nossos corações, que é a fonte de tudo, e que Ele possa crescer com o dia das nossas atitudes, que é o que verdadeiramente importa! Sem retroceder jamais, a fim de que alcancemos o Dia Perfeito.
Renê Pereira Melo Vasconcellos é psicóloga, doutora em Ciências Políticas e Sociologia pela Universidad Pontificia de Salamanca, na Espanha.